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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

VAI NA FÉ

VAI NA FÉ


Quando digo que gosto de olhar para os pormenores, não significa que vivo disso, mas se ficarmos atentos, às vezes, há coisas que nos escapam e dizem muito. Gosto de olhar para os olhos e para os sapatos. É interessante como o calçado nos diz muito. Não falo de moda, mas de desgaste. Podemos ver se nesse dia a pessoa já andou muito. Já houve trabalho, descuido, cansaço. A própria posição dos pés diz algo. Se é uma pessoa nervosa, ansiosa, tímida, calma. São pormenores, é verdade!!! mas ajudam muito quando pretendemos fazer uma leitura. As pessoas tem a sua historia, e quer queiramos quer não, ninguém pode deixar isso na porta da sua vida. Quando abordamos alguém, nunca sabemos o que ficou em casa. No entanto nas respostas aos desafios isso vai connosco. Quando nos "zangamos" com alguém nunca devemos esquecer isso. Talvez possamos relativizar muito coisa e viver mais alegres e em paz.

Na doença (quando a abordamos) muitas vezes o que provoca dor, não é apenas o físico, mas a incerteza, a fragilidade. Não nos passa pela cabeça, o sofrimento interior, de alguém quando é transferido de uma urgência, para um serviço, ou até para o bloco. O momento do espolio, quando a pessoa fica sem a roupa, os seus bens pessoais, feito num silêncio mecânico, descritivo, causa dor. A transferência feita numa maca, acompanhada por zelosos profissionais, caminhando para  um elevador ou mais, causa dor, trauma. É um momento de solidão. As vezes também vou no elevador, e tenho vontade de segurar na mão do doente e dizer-lhe calmamente que vai correr tudo bem. Muitas vezes não é a doença que provoca dor, mas saber que ficou alguém muito querido a porta da urgência. É uma separação que procura respostas e sobretudo uma ansiedade tão grande que até o tempo chora.

Um dia chamaram-me ao bloco para ver um doente que segundos antes dos procedimentos, pediu assistência religiosa. Estava tão ansioso e nervoso que era difícil acalma-lo. Quando me aproximei, sem a mascara, toquei-lhe na mão e disse-lhe que tudo iria correr bem. Ele respondeu-me que apenas queria ver uns olhos e uma boca, ou seja um rosto que lhe desse confiança. Aqui esta o segredo. Não há doenças mas doentes. Por isso acho que os pormenores são importantes.

Gostaria de terminar com esta advinha. Há dois dias na vida de todos nós, mesmo que quiséssemos não poderíamos mudar nada. Que dias são esses??



Até breve
CM

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Entrada





Depois de algum afastamento, aqui estou eu para entrar neste mundo das palavras. Não sou escritor, cometo erros, mas gosto de comunicar, embora a minha vida seja passada no silêncio. Gosto de observar, contar janelas, escadas. Um pequeno pormenor transforma-se numa historia. Lido com a vida e a morte, num mundo onde não há doenças, mas doentes. Cada caso é encarado como um livro.
Hoje fui chamado para ver um bebé. 7 meses. Quando isso acontece parece que o tempo para. Não consigo ouvir nada. É como se fosse um filme mudo. Vou pelos corredores do hospital, já é tarde, são 22h00. Ainda não sei qual é a doença. Começo a rezar, a pedir um milagre. Quando chego ao serviço sou informado pela enfermeira do quadro clínico. É grave trata-se de um caso degenerativo. O milagre transforma-se num pedido de força, pois a mãe natureza com toda a sua força, não permite tais acontecimentos. Quando chego ao quarto, vejo um menino lindo, que procura com todas as suas forças não deixar escapar uma única miligrama de oxigénio. Faço-lhe uma festa e começo a cantar-lhe a única canção que sei. Para meu espanto o menino sorriu e sorriu. Afinal houve um milagre, não houve saúde, mas uma grande paz. A mãe chorosa apenas me disse obrigado. Senhor Padre este foi o único momento em que o meu filho não sofreu. Esta canção que qualquer criança sabe foi a nossa oração.

Até breve

CM